segunda-feira, 21 de maio de 2007

Creamfields 2007 - Lisboa

A música de dança foi o principal motivo que terá levado muitos ao Creamfields, festival que se estreou em solo nacional entre sábado e domingo no Parque da Bela Vista, em Lisboa. Com sete espaços distintos dedicados a concertos e sets de DJs, o cartaz do evento apostou no eclectismo e não se esgotou apenas numa selecção de nomes associdados à sonoridades mais dançáveis. Assim, houve espaço para o electro, house e techno mas também para o rock, hip-hop, reggae, pop ou funk. No entanto, o Creamfields não se esgota na oferta musical, pois tal como o Rock in Rio, cuja edição mais recente decorreu há cerca de um ano no mesmo espaço, o evento é um parque de diversões com atractivos para várias faixas etárias. Os adolescentes constituiram uma considerável fatia dos cerca de 35 mil espectadores, e para muitos este terá sido o primeiro festival em que marcaram presença. Enquanto se aguardou a chegada do horário nobre do cartaz - com as actuações dos Da Weasel, Placebo e Prodigy no palco principal -, o público começou por assistir aos primeiros concertos. Destes, o reggae descomprometido dos One Sun Tribe, o electro desregrado dos Digitalism e o rock incisivo dos Vicious Five terão constituído alguns dos principais focos de adesão. Houve também quem tenha preferido passar a tarde no espaço La Isla, onde uma multidão dançou em torno de uma piscina, ou no Silent Club, em que cada pessoa recebeu auscultadores e escolheu qual dos cinco DJs de serviço no local queria ouvir. Os You Should Go Ahead tiveram a difícil tarefa de abrir as actividades do palco principal, e os também portugueses Expensive Soul deram continuidade ao aquecimento já no início da noite, ganhando um acréscimo de espectadores e aplausos quando Virgul, dos Da Weasel, surgiu para uma colaboração especial. A banda de PacMan actuou de seguida, incidindo nos temas do recente "Amor, Escárnio e Maldizer" sem esquecer episódios obrigatórios de discos anteriores, numa prestação que despertou entusiasmo em grande parte dos espectadores.
Já pela noite dentro entrou em palco uma das bandas mais aguardadas, os britânicos Placebo, para um concerto integrado na digressão de "Meds", o seu quinto álbum, editado no ano passado. Não surpreendeu por isso que as canções desse disco tenham dominado a maioria do alinhamento, desde singles como a faixa-título, "Infra Red" e "Song to Say Goodbye" até temas como "Drag" ou "One of a Kind". Embora servidos de forma competente, é difícil contornar o facto de que fazem parte do disco menos interessante do trio, o que pareceu reflectir-se num concerto de perfil amansado, longe do fulgor e frescura de outros tempos. Quando o grupo recuperou canções mais antigas, como "Every You Every Me" ou "Special K", o despertar do entusiasmo do público foi evidente, mas estes foram rasgos demasido escassos numa actuação acomodada e sem surpresas. O facto de ter sido curta - 50 minutos em vez da hora e meia prevista - também não ajudou, já que a banda retirou-se do palco quando a actuação começava a tornar-se mais dinâmica e interessante, e que assim soube a pouco.
Ligeiramente abaixo das expectativas ficaram também os Prodigy, que ainda assim apresentaram um concerto mais entusiasmante. Keith Flint e Maxim, os dois vocalistas, foram suficientemente explosivos, e o segundo incitou por várias vezes à agitação do público, saíndo inclusive do palco para junto deste. O problema foi que, quando os temas em destaque não eram os que os que os colocaram no estrelato há dez anos, o concerto não passou de pirotecnia algo datada, com novas composições techno-industriais que não conseguem repetir o efeito das do marcante "The Fat of the Land" (refira-se, contudo, que o som do palco também não era brilhante). Os três singles desse disco - "Breathe", "Firestater" e sobretudo "Smack My Bitch Up" - foram naturalmente alguns dos mais aplaudidos, despertando uma euforia dançante por milhares de espectadores. Na memória ficaram também "Voodoo People", "Their Law", "Poison" e o já velhinho, mas ainda irresistível, "Out of Space", que fechou um concerto meritório e convincente, mas longe de arrebatador.
A maior surpresa da noite não se registou, assim, no palco principal, mas no Axe Radio Soulwax, onde a banda que dá nome ao espaço se apresentou em formato nite vessions, ou seja, alicerçada nas versões remisturadas do disco "Any Minute Now". O grupo belga já tinha estado presente no Parque da Bela Vista há um ano, durante o Rock in Rio, onde deixou boa impressão. Desta vez, foi ainda mais eficaz na sua proposta dançável, oferendo uma hora de acelerada combinação instrumental de electro, techno e rock com pontuais vocalizações. As canções dos Soulwax integram aqueles casos em que as remisturas são mais estimulantes do que os originais, e a banda tirou proveito disso num concerto que destilou uma invejável dose de de energia cinética. Marcada por uma curiosa combinação de programações electrónicas com intrumentos reais - guitarra e bateria - tocados em palco, a actuação foi uma feliz amálgama do formato live act e DJ set, baseada numa imparável sequência de canções efusivas e com múltiplos crescendos de ritmo e intensidade. Da citação de referências logo ao início, em "Teachers", passando por "E-Talking", "Slowdance", "Krack", "I Love Techno" e "NY Excuse" ou por uma transfigurada "You Gonna Want Me", de Tiga, os Soulwax geraram um concerto contagiante, e mesmo o facto de ter decorrido já de madrugada não impediu que muitos espectadores tenham dançado incansavelmente.
Dançar foi ainda uma constante até altas horas - 6 da manhã - noutros espaços, nomeadamente no Barcardi Kubik, mesmo ao lado, onde as sessões de nomes como Tiefschwarz, M.A.N.D.Y, Erol Alkan e, por fim, dos 2 Many DJs (constituídos por dois elementos dos Soulwax) propuseram uma receita sonora assente em generosas doses de electro.
Se não faltaram atractivos no Creamfields, é igualmente verdade que nem todos estiveram disponíveis a todo o público, pelo menos sem que se perdesse algum tempo - em certos casos, algumas horas - para aceder aos mesmos. O caso mais flagrante terá sido o da Olá Love 2 Dance Giant Sphere, cujas enormes filas testaram a paciência de muitos, e o mesmo sucedeu em relação à La Isla ou ao Silent Club. Os escassos pontos de alimentação geraram problemas semelhantes, assim como os WCs, e houve também quem se tenha queixado do excessivo tempo de espera para a entrada no recinto do festival ou da inexistência de caixas do multibanco. Limitações a corrigir numa eventual próxima edição de um festival que, pelo menos a julgar pelo número de visitantes e da adesão a alguns dos espectáculos, pode considerar-se um caso de sucesso.

(Fonte: Paulo Sá, in www.sapo.pt)


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