segunda-feira, 30 de julho de 2007

Voodoo e exorcismos no últimpo dia do FMM´07

Foi um fecho triunfante o da edição deste ano do Festival Músicas do Mundo: ontem à noite, no Castelo de Sines, a lotação esteve esgotadíssima e os ânimos ao rubro na última rodada de concertos do evento, pelo qual a organização estima que tenham passado largos milhares de pessoas. Na noite de Sexta-feira, por exemplo, terão circulado entre o Castelo e a Avenida da Praia, onde também se realizaram numerosos espectáculos, 15 mil espectadores.
Musicalmente, a noite da despedida começou da melhor maneira, com um peculiar concerto de Erika Stucky. Criada em São Francisco, na era do psicadelismo, Stucky viria mais tarde a estabelecer-se na Suíça, país dos seus pais. A disparidade de origens ajuda a explicar a música da artista, onde se cruzam o jazz, a folk e o canto yodel, mas suspeitamos que a abordagem excêntrica seja plena responsabilidade de Miss Stucky, e não do seu percurso geográfico.
De barrete de pêlo e permanente sorriso, Erika Stucky entrou em palco depois de uma castiça introdução a cargo dos seus dois tocadores de sopros, que ao longo do concerto se serviriam de trompas dos Alpes, trompetes, búzios e demais instrumentos de sopro, mais ou menos improvisados.
A suíça-americana começou por brincar com o nome da localidade - «Sinessshhhh», sibilou – antes de falar um pouco, ao público, sobre a sua experiência de vida. Comparada a Laurie Anderson mas próxima, igualmente, do universo da norueguesa Hanne Hukkelberg, Stucky apresentaria temas próprios e versões muito personalizadas de clássicos como «These Boots Were Made For Walking», num concerto que teve muito de construção no momento.
«Não pensem muito – eu sei o que estou a fazer, vocês não precisam de saber», recomendaria, pouco depois de integrar os sinos da igreja vizinha na sua música e pôr às costas uma pá, que usou como percussão. Excêntrica e, a espaços, sinistra, Erika Stucky encenou diálogos imaginários, cantou sobre cowboys suíços e ofereceu a «Sinesssshhh» um espectáculo despido e experimental. A avaliar pela reacção final do público, dir-se-ia que os riscos deram frutos.
Seguiu-se K’naan, um músico natural da Somália e actualmente radicado no Canadá. A organização apresentou-o como rapper, mas a actuação começou por remeter os presentes para os cânticos espirituais africanos; à voz de K’naan, esquálida e simpática figura de túnica azul e chapéu vermelho, juntavam-se as dos seus três músicos, responsáveis pela guitarra, coros e djembé.
K’naan já estivera em Sines, no ano passado, e talvez por isso soube estabelecer uma notável comunicação com o público, que de bom grado entoou os refrões de vários dos seus temas em inglês. Eventualmente a música de K’naan hip-hoppizou-se , com a entrega vocal a soar mais urbana e próxima daquilo a que podemos chamar flow, mas a mensagem do somali, criado durante a Guerra Civil do seu país, foi sempre de ternura e optimismo.
Uma versão de «There Is A Way», de Mos Def, ou a quase nu-soul «My Mother’s Pearls» provaram a versatilidade de K’naaan, que com muito pouco (percussão, guitarra, coros) fez mesmo muito, em Sines. Na última canção, «Soobah», pediu à plateia «protest energy» para uma «protest song», e a prontidão com que o apelo foi recebido foi a prova de que a sua mensagem tinha passado.
A terminar a noite, os multinacionais Gogol Bordello, possivelmente a banda mais aguardada de todo o festival, não defraudaram expectativas, dando um concerto endiabrado e aceleradíssimo. À banda de Eugene Hütz coube musicar o fogo-de-artifício que anualmente encerra o festival no Castelo, e os riffs pirotécnicos de «Sally» foram a banda-sonora ideal para a ocasião.
O líder desta trupe, o ucraniano Eugene Hütz, surge em palco de calças vermelhas e guitarra acústica, mas a sua maior arma é, claramente, uma atitude simultaneamente festiva e provocatória que, a par da entrega dos seis músicos que o acompanham, não deixou pedra sobre pedra no Castelo.
Denotando grande confiança – afinal, é este o homem que secundou Madonna no Live Earth – Hütz prometeu inundar Sines em «gypsy punk» e cumpriu. Quase sem pausas entre as músicas, com muitas danças galináceas e um som mais rock do que em disco, a banda ajudou a criar a ilusão que a festa no Castelo não teria, nunca, fim.
«Wonderlust King» ou o êxito «Start Wearing Purple» levaram o público ao delírio, numa actuação mais veloz que um ciclista tunnado e de fortíssimo impacto visual: além de Hütz, o violinista de cabelos brancos e a esbelta dançarina que bate incessantemente no bombo proporcionam farto entretenimento.
«We are your fucking new friends from abroad!», concluiria Eugene Hütz após muitos saltos, piruetas e suor. Podem não fazer a música mais original ou criativa do mundo, mas têm efectivamente tudo para se tornar num fenómeno de popularidade em Portugal, respondendo ao crescente interesse pelas músicas do Leste da Europa e juntando-lhes um familiar toque pop-rock.
Mais um sucesso de público e interesse artístico, a nona edição do FMM prosseguiu madrugada fora com Señor Coconut e Bailarico Sofisticado na Avenida da Praia. Para o ano, antevê-se uma grandiosa celebração do décimo aniversário de um dos mais estimulantes eventos musicais promovidos em Portugal.

(in, Blitz)

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