segunda-feira, 19 de novembro de 2007

1967...E a banana que fez história!

Muito recentemente, Bruce Russell, membro dos Dead C, argumentava nas páginas da revista britânica Wire que o álbum Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band representa «um beco sem saída evolucionário na música popular», enquanto o primeiro álbum dos Velvet Underground «continua a ter belíssimos filhos até aos dias de hoje». As palavras do guitarrista dos mestres neo-zelandeses do ruído tocam num ponto importante da história de The Velvet Underground & Nico ou, como é mais vulgarmente conhecido, o álbum da banana: a sua resoluta relação com o tempo (ver caixa) e a sua aparentemente inesgotável capacidade de, quatro décadas após a data da sua edição original, continuar a gerar descendência – e esse é o mais definitivo monumento à grandeza do disco que Lou Reed, John Cale, Sterling Morrison, Mo Tucker e a diva Nico criaram, com o apoio financeiro de Andy Warhol.Barbara Rubin, uma cineasta experimental ligada a Jonas Mekas, foi a responsável por apresentar os Velvet Underground a Andy Warhol, na altura profundamente interessado no cinema como forma de expressar as suas particulares ideias sobre a arte. Warhol era obviamente um catalisador com um enorme poder para desenvolver projectos e congregar diferentes energias. Por isso mesmo, a entrada dos Velvet Underground no círculo da Factory aconteceu de forma muito natural. E uma das primeiras ideias que Warhol teve foi a de juntar os Velvet e Nico, «uma incrível beleza alemã que tinha acabado de chegar a Nova Iorque vinda de Londres», como escreveu Warhol em Popism, o seu retrato pessoal da década de 60. «Ela tinha o ar de quem podia ter feito a viagem até Nova Iorque na proa de um navio Viking, ela tinha esse tipo de cara e de corpo». Andy Warhol afirma ainda que a voz de Nico foi descrita na época «como um computador da IBM com um sotaque à Greta Garbo». Nico vinha de Londres, onde já tinha esboçado o início de uma carreira musical. Esta modelo e actriz conheceu Brian Jones, dos Rolling Stones, em 1965 e impressionou--o tanto que este convenceu o seu manager, Andrew Loog Oldham, a produzir e editar um single de Nico na sua etiqueta Immediate.
«I’m Not Sayin’» foi a sua estreia no mundo da música. De Londres para Paris, Nico conheceu Bob Dylan, que ficou igualmente impressionado e aparentemente lhe escreveu o tema «I’ll Keep It With Mine», exactamente o single que Nico tinha na sua bolsa no dia em que conheceu Andy Warhol em Nova Iorque.Warhol era o rei de uma cidade que tinha acabado de sair de uma Feira Universal dedicada «às conquistas do homem num globo cada vez mais pequeno situado num universo cada vez maior». O mestre da arte pop entendia na perfeição o facto de o mundo estar a mudar e utilizava essas transformações, sobretudo as tecnológicas, a seu favor – andando com uma câmara de filmar para todo o lado e gravando em fita as ideias que ia tendo. De certa maneira, o rock, como o cinema e a pintura, foi mais um veículo descoberto por Warhol para comunicar as suas ideias sobre esse mundo em transformação.
«Os Velvet mostraram-se interessados no ruído desde o início e apoiaram-se no extenso currículo académico de John Cale para conseguirem moldar a sua experimentação», escreveu Lester Bangs. John Cale chegou a Nova Iorque em 1963, depois de muita correspondência trocada com John Cage. Vinha do País de Gales e queria assistir às aulas de Aaron Copland.
Em 1964, Cale aproximou-se do grupo que orbitava em torno de LaMonte Young e integrou o seu Dream Syndicate com Angus MacLise, com quem aliás dividiria um apartamento. Foi nesse mesmo ano que Cale conheceu Lou Reed, na altura a trabalhar numa espécie de mini-Tin Pan Alley na editora Pickwick, como compositor e músico. Cale era muito interessado em rock e percebia que as ideias de LaMonte Young sobre os «drones» podiam igualmente ser aplicadas neste contexto. O facto de Lou Reed, na altura, já exibir uma personalidade bastante aberta à experimentação – usava, por exemplo, afinações pouco convencionais na sua guitarra – funcionou certamente como factor de aproximação a John Cale.
O primeiro grupo de Lou Reed com John Cale levou o nome The Primitives e foi criado, basicamente, para promover o single «The Ostrich», que Reed tinha escrito para a Pickwick. Com Sterling Morrison na guitarra e Angus MacLise nas percussões, os Primitives tiveram uma existência fugaz, mas foram importantes para a chegada aos Velvet Underground.A história do nome deste grupo também já é sobejamente conhecida: Reed encontrou um livro sobre sadomasoquismo, com o título The Velvet Underground, escrito por Michael Leigh e deixado por Tony Conrad no apartamento que o futuro autor de Transformer viria a ocupar.
O nome parecia perfeito: não só Reed já tinha escrito «Venus In Furs» como a própria palavra «underground» parecia ir de encontro ao universo em que se moviam, do cinema alternativo e experimental. O grupo começou a ensaiar e a dar concertos em 1965, altura em que MacLise abandonou o projecto – aparentemente o primeiro «cachet» de 75 dólares foi demais para MacLise, um hippie convicto que não acreditava na remuneração da arte e que haveria, mais tarde, de mudar-se para o Nepal onde viria a falecer, em 1979. Angus seria substituído por Maureen Tucker, irmã mais nova de um antigo colega de faculdade de Sterling Morrison.O estilo de Maureen – que antes do grupo tinha trabalhado na IBM a introduzir dados – servia perfeitamente aos Velvet Underground: tocava de pé, com o bombo virado para cima, quase não utilizava os pratos e tinha um estilo rígido e metronómico. O grupo estava assim completo – e o concerto no Café Bizarre, onde Barbara Rubin levaria Warhol para conhecer os Velvet, estava próximo.

(Fonte: www.blitz.pt - Rui Miguel Abreu, 26 de Outubro de 2007)






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