domingo, 14 de março de 2010

Tomorrow, in a Year e a evolução da espécies.

Após Silent Shout de 2006, a dupla sueca The Knife atingiu um nível de adoração igual ao dos primeiros acts eletrónicos dos anos 90, como Prodigy e Daft Punk.
Eles são o David Lynch da música eletrónica, assombrando almas e espumando ouvidos com um electro-pop obscuro e contagiante, que cega os olhos perantes criaturas e personagens tão absurdos, criando tanto musical quanto visualmente.
Com a empreitada a solo de Fever Ray, em que Karin Dreijer assumiu o seu alter-ego de bruxa xamânica, a possibilidade de interpretação artística em torno da gênese The Knife provou ser uma fonte inesgotável de criatividade. Afinal, o tal fim do mundo propagado pela ansiedade por 2012 é a cara dos monstros e distorções criadas por estes nórdicos estranhos. A discografia do projecto conta agora com "Tomorrow, in a Year", uma ópera de livre interpretação sobre "A Origem das Espécies", livro revolucionário do biólogo e naturalista britânico Charles Darwin, que completou 150 anos em 2009.
Foi o livro que derrubou com comprovação científica o criacionismo das religiões e crenças, tirando a Deus a autoria de nosso aparecimento na superficie terrestre.
Apadrinhada pela companhia dinamarquesa Hotel Pro Forma, os The Knife contaram com a ajuda dos projectos de electro Mt. Sims e Planningtorock, similares em estranheza a The Knife, para criar a trilha da ópera, que saiu em álbum agora em 2010.
Olof Dreijer chegou a viajar à Amazónia brasileira, onde realizou pesquisas e captação de áudio no laboratório de arte Mamori Art Lab, localizado a 100 km de Manaus, no meio da floresta.
"Tomorrow, in a Year" pode frustar os fãs ávidos por um novo "Silent Shout", e vai decepcionar quem espera a pegada pop de "Deep Cuts", de 2003.
É algo totalmente novo na trajetória de Karin e Dreijer, um trabalho maior, mais complexo, em que a música não é 100% autoral, já que os The Knife surgem aqui como uma espécie de curador, um novo molde da identidade sonora. Karin, aliás, canta pouco, só em "Colouring of Pigeons" e na versão vocal para "Annie's Box".
Como participação especial, já que a dramatização em canto dos 2 actos da ópera (um sobre a vida e a exploração de Darwin e o outro sobre o resultado das suas pesquisas), foram escritos pelos The Knife para serem cantados e narrados por uma cantora lírica (a mezzo-soprana Kristina Wahlin), uma cantora pop (Laerke Winther) e o actor (Jonathan Johansson).
Algumas faixas são completas onomatopeias de pássaros, mais precisamente pombos, animal escolhido como tema da ópera e também uma das fontes de análise de Darwin.
Num tempo em que temos "Avatar" como redenção à natureza e em que o exotismo africano e charme étnico é uma boa medida para o sucesso na música alternativa, fica provado com "Tomorrow, in a Year" que ninguém faz música melhor sobre o meio ambiente, sobre animais e sobre o espanto dos mistérios da natureza que os The Knife.
Talvez 2012 não represente "esse" fim do mundo anunciado, mas antes a necessidade de uma revolução "verde" e interior, que retorne às origens arcaicas da evolução humana. E ninguém melhor que Karin e Olof Dreijer para celebrar Darwin neste sentido e impressionar a cultura pop com o híbrido homem-criatura.

"Por maiores que sejam as diferenças entre as raças, estou plenamente convencido de que todas descendem do pombo silvestre, incluindo nesta demoninação diversas raças geográficas ou sub-espécies que diferem entre si em pontos muitos insignificantes."


Sem comentários: