segunda-feira, 19 de abril de 2010

Liars - Sisterworld

Poucos grupos apresentam a capacidade de mudança dos Liars, que de disco para disco fazem questão de nos surpreender pela ruptura com o passado e pela proposta de futuro.
"Sisterworld", o 5º álbum de uma requintada linhagem, faz questão de sublinhar isso mesmo.
É verdade que desde 2002, quando se estrearam com o caótico "They Threw Us All In A Trench And Stuck A Monument On Top", logo assumiram uma estética de choque que até hoje se mantém.
Mas os recursos que colocam ao dispor de uma música que parece sempre estar a um milímetro da demência têm variado ao mesmo ritmo com que resolvem adoptar pontos de referência opostos, a cada disco, para olhar para o mesmo fenómeno.
Com as vísceras, evidentemente, no centro de um processo criativo que apela à expansão de limites.
Em "Sisterworld" somos levados por um mundo simétrico onde tudo nos parece estar ao contrário, entre sons ameaçadores de guitarras uivantes e ritmos tribais que recolhem os cacos que sobraram de "Drums Not Dead", o seu disco de 2006 que explorou até ao limite o papel da bateria na conceptualização do rock enquanto fenómeno tribal de celebração.
Não admira a sensação de que ao ouvirmos "Sisterworld" estamos a arricar a nossa própria saúde mental, tal a reconstrução que esta música exige às nossas células sensoriais, chocadas com a experimentação que se aproxima de delírios cujo sentido é custoso atingir e que acabamos que perceber como algo saído de divagações existenciais que resultam de complicadas texturas de vida. E nesta música encontramos em simultâneo tudo o que nos parece impossível atingir, ou mesmo aspirar, e o muito que tivemos que deixar para trás, controlados por condicionantes externas que nos retiram espaço de acção.
"Sisterword" é mais um disco questionante que os Liars nos entregam, na forma e no conteúdo, exigindo de nós o esforço de compreensão de uma música de fracturas expostas e que faz do rock o ponto de partida de um desafio autêntico de etnografia cultural urbana.
E é também um disco que aumenta a convicção de que mais nenhum outro colectivo de músicos, que não os Liars, seriam capazes de nos entregar esta peça em estado bruto de ebulição.





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